Paz, amor e bicicleta: A madame do sedã

Fim de tarde, céu azul, um mês que não chove. Após um dia inteiro de brincadeiras, Renzo está com aquela crosta saudável de poeira grudada no corpo. O caminho natural seguiria direto ao banheiro, mas, preciso ir buscar o notebook, que foi para a manutenção. Enquanto ele ainda se distrai com as crianças, pego a mochila, fecho a porta. O pessoal da creche parental ainda providencia a arrumação do dia. E basta eu caminhar para os fundos que ele me segue com os olhos e antevê o passeio que está por vir.

Quando se trata de bicicleta, Renzo é impaciente. Demonstra uma ansiedade difícil de conter. E como querendo ditar o ritmo das preparações para sair, vai ordenando “guarda a mochila, papai”, “bota capacete, papai”, ” Renzo na cadeirinha, papai”. Se eu demoro um pouco para os critérios dele, a ansiedade se transforma em lágrimas.

Já voltando, ansiedade satisfeita, vimos um sedã branco invadindo e trafegando na ciclofaixa mais à frente. Seguimos no ritmo contemplativo mas, trânsito parado de fim da tarde, logo o alcançamos. Ao ultrapassá-lo aproveitei para chamar a atenção da motorista para a ciclofaixa. E vi uma madame no celular, completamente alheia ao que estava fazendo.

Ontem milhares de pessoas fizeram novos protestos nas ruas. A maioria delas de classe social privilegiada, no meio das quais a madame do sedã não estaria deslocada. Fico pensando em como combater a grande corrupção adotando as pequenas corrupções do dia a dia, tão comuns e banalizadas que são praticadas inconscientemente. Como trafegar na ciclofaixa falando ao celular, por exemplo.

Um dia, quem sabe, a madame do sedã perceberá sua incoerência. Ou não.

Niterói, agosto de 2015.

Tem 34 anos, carioca do Cachambi, pai do pequeno Renzo e marido da Bu. Já brincou de ser e fazer muitas coisas, e aguarda novas experiências. Anda de bicicleta pelas ruas da Região Oceânica de Niterói. Sonha em viajar o mundo e mostrar ao filho que há coisas mais valiosas que “ser alguém na vida”.

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